sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lembranças de um dia horrível.


A morte de Michael Jackson

Texto de Fernando Tucori - Equipe Rockwave

Publicado na fatídica quinta-feira, 25 de junho de 2009.

Aos 50 anos de idade, morreu Michael Jackson, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Não se fala em outra coisa no mundo todo. Pude ter contato direto com pelo menos três redações de rádio e nunca vi tanta ansiedade em ter a confirmação de uma notícia. A maioria dos comentários das pessoas, enquanto buscavam, era: “não pode ser verdade”.

A maioria de nós, peões de redação hoje, tinha em torno de dez anos de idade quando Michael se tornou, de fato, o rei do pop. “Thriller” foi lançado em 1982 e, se hoje é o disco mais vendido do mundo, espere só até amanhã. Digo isso porque eu, que nem me considero um fã do Michael Jackson, tenho dois “Thriller”, em vinil. Graças a esse disco a MTV é o que é, o videoclipe é o que é e os anos 80 foram o que foram.


É uma coisa patética pra se lembrar, mas na 4ª B do Colégio Júlio Pereira Lopes as crianças não trocavam bilhetes – trocavam (atenção para o trocadilho) “beat its, que se pronunciava “bíretz”. No Natal daquele ano, eu ganhei uma calça vermelha, de nylon, e achava que, se passasse perto de um cemitério com ela, os mortos levantariam da terra pra dançar comigo – e eu nem sabia dançar! Tinha um programa de clipes, que passava na Rede Manchete e, por esperar que os clipes do Michael Jackson passassem nele, acabei vendo muita coisa legal, como, pra ficar no mínimo, Kiss e Queen. Suportei até o João Kleber, que, se não me engano, começou ali.

Michael se tornou maior que a década de 80. Tornou-se, inclusive, maior do que qualquer outra pessoa agüentaria ser. Sofreu preconceito dos brancos, por ser negro. Sofreu preconceito dos negros, quando apareceu branco diante da imprensa. Teve seus problemas com as crianças, polêmicos e implacáveis. Comprou coisas impensáveis, fez dívidas impagáveis e acabou virando escravo do mito que foi criado em torno dele.

Morreu, aos 50 anos de idade, vítima de uma parada cardíaca, Michael Jackson. Parada cardíaca, você sabe, é estresse e mais estresse e mais estresse e mais estresse. Morreu com tudo engatilhado, turnê, jogos pra vender pra computador e pra videogame e tudo mais.

Os mesmos abutres que picotaram o coração dele em pedacinhos pra vender pro mundo, que queria mais e mais do Rei do Pop, vão continuar ganhando grana às custas dele, pra sempre. Pra ele, deve ter sido um alívio ter se livrado de tudo isso.


Espero que Michael Jackson possa, enfim, descansar em paz.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sobre a internacionalização da Amazônia


Durante debate em uma universidade em 2000, nos Estados Unidos, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi indagado sobre a internacionalização da Amazônia.

Um jovem americano introduziu a pergunta, dizendo que esperava a resposta de um humanista, e não de um brasileiro.

Esta foi resposta do senador Cristovam Buarque:

“De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.

Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França.

Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maiores do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de comer e de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo.

Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.”

A Copa e o tempo


Carlos Heitor Cony

Folha de São Paulo - 18 de junho de 2010


Cada Copa é um encontro com o destino, não só no estádio, mas no campo de incertezas de cada mente.


As ruas enfeitadas de verde e amarelo: é a Copa do Mundo, mais uma. Competição e patriotismo à parte, cada Copa serve de referência, de baliza temporal para medir os anos que passam. Valem mais do que o simples Réveillon que comemoramos anualmente: afinal, o tempo ganhou uma dimensão nova e o espaço de 12 meses é curto para as grandes perspectivas interiores.

Quatro anos não é muito nem pouco: é bastante. Chegará o dia em que mediremos nossa verdadeira idade interior pelas Copas e não pelos anos. Aliás, na Antiguidade media-se o tempo histórico pelas Olimpíadas.

E independente do resultado de cada torneio mundial, fica o espanto pelo tempo que foi passando. Custo a absorver os 60 anos que me separam da Copa de 1950, aqui mesmo no Rio, a primeira depois do intervalo provocado pela Segunda Guerra Mundial.

Evidente que tudo era estranho: Getúlio ainda não se suicidara, ninguém conhecia JK, Pelé era um menino de várzea, a Lua, inatingível, o Brasil não sabia fabricar uma tesourinha de unha. No plano particular, algumas mulheres que amei nem tinham nascido ainda.

Os livros que escrevi não estavam sequer na cabeça. Enfim, se um terremoto matasse os 200 mil torcedores que se espremiam no Maracanã naquele Brasil x Uruguai de 1950, eu simplesmente não teria sido eu.

Não é o caso de perguntar se valeu a pena esta sobrevida de 60 anos. No plano estritamente esportivo, evidente que valeu: não vi o Brasil campeão em 1950, mas desforrei a frustração em 58, 62, 70, 94 e 2002.

No campo geral da vida, desaprendi algumas coisas e aprendi outras, não necessariamente melhores. Casei, descasei, tive filhos, escrevi livros, fui preso, desci aos infernos e não subi aos céus.

Cada Copa me traz, assim, um referencial completo, inadiável, de minha passagem pela vida e pelo mundo -e já não ouso invocar aquela piedosa imagem da oração católica que chamou esta vida e o mundo de "vale de lágrimas".

Não, não houve tantas lágrimas assim. As últimas, em certo sentido, foram deixadas no próprio Maracanã, quando acabou o jogo e a multidão, atônita, sentiu que o sonho acabara.

Anos depois, um cara de Liverpool que se julgava mais importante do que Jesus Cristo também proclamou que o sonho acabara. Bolas, o sonho não acaba: afinal, cada despertar é o noviciado para novo sonho e assim vamos, de sonho em sonho, de Copa em Copa, levando o barco para frente.

De qualquer forma, é confortador que em 1982, na Copa da Espanha, eu estava de malas prontas para as férias de Positano, que Mila - minha setter de olhos cor de mel - acabara de chegar em minha vida.

Bom lembrar que em 1970 eu iniciava um tumultuado período de vida. Enfim, cada Copa, como cada dia, segundo as escrituras, tinha a sua malícia: "Sufficit diei malitia sua" (a cada dia bastam as suas preocupações). Imagino quantas Copas ainda terei pela frente. Duas, três, quatro? Talvez nenhuma. Bem, o problema, de tão meu, não chega a ser meu: é do destino.

E aí está o que desejava dizer desde o início da crônica: cada Copa é um encontro com o destino, não apenas no estádio, mas no campo minado de incertezas de cada mente, de cada coração.

A cada Copa ela se torna mais presente na vida de todos, nos becos e nas ruas, asfalto e favela reagem do mesmo jeito, até o mercado aquece, vende-se mais, bebe-se mais. Mesmo comparando a de 1950, que foi no Brasil, com o Maracanã novinho, não havia tanto comprometimento social, mercadológico e sentimental como hoje.

O simples futebol é um pretexto temporal e factual para um encontro, breve, mas profundo, com os outros e até conosco. De repente nos descobrimos autênticos, sofrendo ou gozando por nada mesmo, por um sentimento geral que desperta em cada um de nós um estágio de pureza infantil, egoísta e coletiva ao mesmo tempo.

Evidente que a esperança (ou a confiança) no resultado final é o reagente químico para um tipo de festa que nem sempre acontece. Não importa. Cada Copa funciona como um tranco dentro de nós mesmos e, por mais paradoxal que seja, uma pausa na verdadeira Copa da vida onde sempre perdemos.